Ex-administrador cultural da Fundação Japão fala sobre seu blog e sua produtora independente
Clique aqui e confira o blog Jojoscope
Jo Takahashi, 57 anos, é arquiteto por formação e agitador cultural por vocação. Durante os 25 anos em que atuou como diretor de cultura e artes da Fundação Japão, esteve à frente de grandes projetos, como a curadoria da Semana da Cultura Japonesa em 2008, que envolveu 400 atividades e cerca de 3 mil artistas. A partir do fim de 2010, Jo passou a ser consultor da fundação e a focar sua energia em projetos próprios: uma produtora cultural independente e um blog.
O blog “Jojoscope” reflete a nova fase do produtor cultural. O site aborda, com um toque opinativo, os mais diferentes aspectos da cultura japonesa, desde música e cinema até gastronomia. “Com a nova proposta junto à Fundação Japão, passei a adotar uma postura mais pessoal. (…) Posso emitir opiniões e fazer comentários, mas sempre com base e foco nas ações que desenvolvi ao longo destas décadas na instituição”, explica.
A produtora “Dô Cultural”, por sua vez, carrega todo o conhecimento obtido na Fundação Japão. Seu objetivo é não apenas difundir a cultura japonesa no Brasil, mas também divulgar a cultura brasileira no Japão. Em entrevista à Made in Japan, Jo Takahashi falou sobre seus novos projetos.
Entrevista - Jo Takahashi
Como surgiu a ideia de criar o blog Jojoscope?
Enquanto diretor de cultura e artes da Fundação Japão eu era conhecido como “Jo da Fundação”. Há algum tempo isso começou a incomodar porque eu sempre adotei uma postura corporativa e institucional. Muitas vezes, quando falamos de artes e mesmo de cultura, que são temas que exigem uma avaliação subjetiva e pessoal, é difícil comentarmos na primeira pessoal do plural, pois as interpretações muitas vezes são minhas.
Determinados assuntos, eu não podia comentar em público, como por exemplo, preferências de restaurantes ou dos trabalhos de determinados artistas, porque eu carregava uma função pública de grande responsabilidade.
Agora, com a nova proposta que formulamos junto à Fundação Japão, passei a adotar uma postura mais pessoal e, como consultor de arte e cultura, iniciei o compartilhamento da experiência com o público e outras instituições. Criei uma produtora de arte e cultura dedicada à conexão Brasil-Japão, e inicio a partir deste semestre diversos projetos que normalmente não caberiam no formato da Fundação Japão. Além disso, passo a realizar um novo segmento, que dentro da Fundação Japão não era a prioridade: divulgar a cultura brasileira no Japão.
A blogosfera me pareceu interessante como uma primeira iniciativa de comunicação com o público, já dentro deste formato mais pessoal. Posso emitir opiniões e fazer comentários pessoais, mas sempre com base e foco nas ações que desenvolvi ao longo destas décadas de dedicação à Fundação Japão.
O que significa o nome do blog, Jojoscope?
Scope é uma lente de projeção. No cinema, ele é usado para ampliar o campo de visão, como no Cinemascope, ou seja, ter uma visão panorâmica. Mas scope pode sugerir também um microscópio, para enxergar detalhes e analisar seu conteúdo. Pode também sugerir um telescópio, para enxergar coisas ao longe, que no caso do blog são as tendências, que podem ditar o gosto na moda, na gastronomia, nas artes. Essa é a proposta do Jojoscope: por meio de uma visão pessoal, olhar a cultura e as artes na conexão Brasil-Japão, ora com amplitude, ora com visão analítica, ora com visão sonhadora.
Além de estar engajado na produção de um blog, o senhor mantém contas bastante ativas no Facebook e no Twitter. Na sua opinião, qual é o papel das ferramentas virtuais para divulgar a cultura japonesa hoje, no Brasil?
A internet é, hoje, nosso campo de trabalho, e quero criar uma plataforma de ação quase totalmente fundamentada na internet. Afinal, estaremos trabalhando com desenvolvimento de conteúdo e minha proposta de ação daqui para frente é poder compartilhar o que aprendi e apreendi nas duas décadas e meia na Fundação Japão, de uma maneira mais ágil e sintonizada com os novos tempos.
As ferramentais virtuais são nossos instrumentos atuais, como foram um dia o telefone ou o fax. Quero usar essas ferramentas nas duas línguas: o português e o japonês, para poder atingir o público alvo com o qual quero interagir.
De 25 anos para cá, o tempo em que esteve à frente da administração cultural da Fundação Japão, o que mudou na percepção dos brasileiros em relação à cultura japonesa?
Tivemos uma compreensão mais clara do mercado de intercâmbio cultural. Houve uma grande aceitação da cultura japonesa no Brasil e não foi devido somente à permanência dos imigrantes japoneses. Os brasileiros estão sabendo apreciar e consumir uma cultura mais dinâmica do que aquela trazida pelos imigrantes.
Um exemplo é a gastronomia, que hoje é um mercado em efervescência. Neste segmento, o que se consome de culinária japonesa vai muito além dos padrões trazidos pelos imigrantes. O brasileiro, curioso que é por natureza, descobre tendências, cria, renova antigos padrões.
A cultura pop é outro segmento importante no intercâmbio Brasil Japão. Aqui, também, não é devido aos imigrantes, mas fruto de uma tendência que atinge jovens, formadores de um consumo popular de cultura.
Na sua opinião, quais são os lugares que se relacionam à cultura japonesa mais interessantes de visitar no Brasil?
Em termos de arquitetura, eu recomendo o Memorial da Imigração Japonesa, que foi construído na Pampulha, em Belo Horizonte. O projeto é dos arquitetos Gustavo Penna e Marisa Machado Coelho, e a concepção artística é de Paulo Pederneiras, diretor artístico do Grupo Corpo de dança contemporânea.
A concepção se deu a partir de um conceito de celebração da amizade entre o Japão e os mineiros. O Memorial é composto por uma ponte suspensa sobre um lago, simbolizando os dois países distantes por um oceano, porém ligados por ideias e ideais. Ao centro, o pavilhão de exposição. O visitante fará um percurso que compreende uma partida do Japão, simbolizado por cerejeiras, até a chegada à Minas dos ipês brancos. O conjunto todo tem uma leitura muito sofisticada da cultura e da estética japonesa, muito longe dos clichês, como os portais torii, lanterninhas e detalhes de gosto duvidoso que costumam enfeitar as iniciativas da comunidade nipobrasileira.
O Parque do Japão em Maringá é outro destaque importante. Ainda em construção, tem tudo para ser o maior centro de cultura japonesa no Brasil. Com uma administraçáo dinâmica e profissional, o Parque do Japão é uma OSCIP, organização social que atualmente recebe recursos administrativos da Prefeitura da cidade de Maringá mas ruma para a autonomia em dois anos. É um modelo interessante de gestão.
E quais são os artistas brasileiros que preservam a cultura japonesa no Brasil e nutrem sua admiração?
Na música, podemos destacar o trio de Shakuhachi Shen Ribeiro, Danilo Tomic (presidente da Associação de Música Tradicional Japonesa) e Matheus Ferreira, que atuam com muito dinamismo na difusão da música tradicional japonesa.
O violonista Camilo Carrara é outro destaque, pois divulga a música infantil e folclórica japonesa pelo Brasil todo. O Grupo Mawaca, de música étnica, é outro destaque; há doze anos divulgando a música folclórica japonesa em formatos inusitados. Lica Cecato, que é uma cantora carioca, canta em japonês e faz maravilhosas intepretações de poemas clássicos japoneses. Incrivelmente, todos são não-descendentes e estão fora do circuito da comunidade japonesa.
Artistas que foram contemplados com apoios da Fundação Japão são um primor de fidelidade e retorno nas ações de divulgação da cultura japonesa: Ângela Nagai (na dança e especialmente no teatro Nô), Leticia Sekito (em dança contemporânea), Rachel Rosalen (em arte e tecnologia).
Fale um pouco sobre a produtora independente Dô Cultural. Por que decidiu começar esse empreendimento? Qual é o objetivo?
Creio que seja a primeira produtora cultural totalmente voltada para desenvolver projetos na conexão Brasil-Japão, em um universo fora do contexto da comunidade nipobrasileira.
A proposta da Dô Cultural é investir em projetos de cultura e arte com sustentação, aplicando as leis de incentivo. A equação se resume em 3P ao quadrado: Parceria Público Privado em Projetos Processos e Produtos. Aplicar uma administração dinâmica de configuração de projetos culturais, convidando expectativas dos setor público como consulados e instituições culturais, com as possibilidades de investimento das empresas privadas que se sintonizem com suas linhas de negócios. E atuar na formatação de projetos e produtos que possam trazer um retorno cultural e formar um patrimônio de conhecimento e informação que possa ser compartilhado para o enriquecimento de nossas culturas.
O objetivo é difundir a cultura japonesa no Brasil e a brasileira no Japão, com um padrão de qualidade que interesse aos formadores de opinião, e consolidar plataformas culturais de alto nível.