Toru Takemitsu
O vazio sempre foi um elemento estético na cultura japonesa. Na arquitetura tradicional, na composição dos jardins e nas gravuras ukiyo-ê, o vazio não era simplesmente o nada, mas pelo contrário, um espaço intervalar de grande potência, capaz de dar dimensões de expressividade que extrapolam as molduras. Ou seja, o vazio é para a estética japonesa, o elemento de inflexão que prepara o próximo salto, um momento em suspensão dramática.
Na música, ninguém melhor que Toru Takemitsu (1930-1996) soube tão bem interpretar essa nuança. Na música, o vazio equivale ao silêncio, e ele era tão importante quanto qualquer nota musical na partitura.
O fato é que, interpretar Takemitsu exige do músico uma capacidade extraordinária de entender a música para além da partitura. Ele sempre recomendava para a orquestra tocar “como se estivessem contemplando uma pintura”. Beleza tonal é fundamental, mas não só. Reconhecer a importância do silêncio, que é de onde veio a música, afinal, é o quesito fundamental para compreender a música de Takemitsu em sua totalidade.
Takemitsu bebeu música em fontes diversificadas. O jazz foi herança de seu pai, um amante de blues. A ele se somaram peças canônicas modernas de Debussy (até por suas semelhanças tonais com a música japonesa), Schoenberg e Messiaen. A música americana que era transmitida pela rádio durante o ocupação militar no pós-guerra. Trilhas sonoras de filmes, que ele devorava e metabolizava no escuro do cinema. Tomou de amores pela música de vanguarda, especialmente de John Cage. E como um passe de mágica, se instaurava uma circularidade entre eles: Debussy e Cage se encantaram com a escala pentatônica da música japonesa, e a troca foi inevitável. E essa dinâmica trazia de volta os acordes japoneses para Takemitsu, que resolveu introduzir instrumentos como o biwa, o shakuhachi e o koto em formações sinfônicas, como aconteceu em “November Steps”, uma de suas mais representativas criações. “November Steps” foi uma obra encomendada pela Filarmônica de Nova York para as comemorações de seu 125º Aniversário, e teve sua première mundial em Novembro de 1967, com a regência de Seiji Ozawa. Na primeira audição mundial, estavam na plateia nada menos que Leonard Bernstein, Krzysztof Pendereck e Aaron Copland. Conta-se que Bernstein chegou a chorar de emoção ao ouvir esta peça. O que o teria encantado tanto? Provavelmente, a tensão e a beleza do silêncio, raramente ouvido na música ocidental. E que se tornaria uma grande novidade aos ouvidos ocidentais.
Se estivesse vivo hoje, o compositor japonês teria completado 81 anos. Takemitsu foi um dos maiores compositores do século XX e sua obra ainda é pouco executada no Brasil. Por isso, a primeira audição brasileira do Concerto do Réquiem, in Memorian Toru Takemitsu II para Violão e Orquestra, obra composta e regida por Leo Brouer, e tendo como solista o violonista japonês Ken-ichi Fukuda, embora não seja propriamente uma composição de Takemitsu, dele extrai sua atmosfera melódica. Será um momento marcante para degustar os acordes de uma música revolucionária, que ultrapassou as molduras e o território, para atingir o universo. Silenciosamente.
Jo Takahashi
Diretor Executivo da Dô Cultural e consultor de arte e cultura na Fundação Japão Texto para o programa do Festival Internacional de Violão Leo Brouwer.